
Aquele belo copo de
cristal que um dia foi posto calculadamente a três centímetros do lado esquerdo dos talheres de
platina e em frente às travessas de
porcelana chinesa sobre aquela bela estante de
madeira-de-lei hoje acumula a poeira do
tempo e apenas serve como lembrança de algo que
nunca existiu num tempo que nunca voltará a
existir... Como se o objetivo decorativo dele tivesse sido deixado de lado e o
brilho e imponência que antes era imposto hoje tenham se
transformado apenas em
desgosto e motivo de sobra para querer atirá-lo contra a
parede num gesto desesperado de tentar apagar o que nem se quer foi escrito tão menos lido... Sem ponto nem parágrafo ou sequer uma
vírgula faço analogia à vida que nada mais é do que uma estrada de mão única sem
retorno e sem acostamento que tem apenas um destino certo e
definido e nada pode ser feito para evitá-lo... O
mesmo copo no qual desfrutei doses de prazer e alegria de sonhos e
magias hoje serve para se encher de meu próprio
veneno e matar a minha sede de vingança de mim mesmo e serve para me torturar e cortar minha pele com os
cacos que se sobrepõe no chão como se as cicatrizes que ficarão e a dor física que posso suportar fossem suficientes para me fazer sentir
melhor ou menos culpado pelo fato de tê-lo colocado ali... Ainda que eu quisesse ignorá-lo ou virar as costas fingindo não me importar saberia que ele
permaneceria ali estático imóvel sem reação e saberia que teria sido eu quem o deixou dessa forma saberia também que mesmo que o limpasse com um
álcool e um pano úmido meus
erros seriam refletidos nele e que todo o seu brilho seria
ofuscado por minhas
derrotas e ambições inoportunas e pela minha falsa
ingenuidade e pelo meu estúpido complexo de inferioridade e pela minha
falta de caráter e dedicação mútua...
Pulo linha como se saltasse de um imenso penhasco
vazio e oco e sem fim numa queda livre e sutil onde o
vento que bate em meu rosto se parece com
tapas de auto-flagelo confortante mas não confortável
estável constante... Buscando nessa falsa liberdade uma
falsa solução para todos os meus talvez falsos
problemas como se um simples “Superbond” fosse capaz de colar todos os cacos e retirar todas as imperfeições e fazer com que tudo
volte ao normal ou pelo menos um dia seja
normal... E quem sabe um dia eu possa acordar de todo esse
pesadelo e seguir de onde parei e ver que o copo de cristal ainda está lá
intacto e saber que tudo valerá a pena custe o que custar e então poderei ter a
certeza de que fui capaz de me perdoar e de ser
perdoado...
Enquanto isso vou (sobre)vivendo! (ou pelo menos tentando)...